23/02/2013 16h47
- Atualizado em
23/02/2013 16h47
Secretaria de Saúde diz que não registrou internações compulsórias.
Pacientes foram internados por medida judicial em Campinas e Araraquara.
Morador de rua circula pela região da 'antiga'
cracolândia, na região central de São Paulo
(Foto: Glauco Araújo/G1)
O programa de atendimento a viciados em crack do Estado de São Paulo
funciona apenas no Centro de Referência em Álcool, Tabaco e outras
Drogas (Cratod) na região central da capital paulista. A estrutura que
passou a ter juízes e promotores de plantão para atender casos de
internação compulsória existe somente na cidade de São Paulo, não sendo
acessível aos usuários de drogas no interior do estado. É o que mostra
levantamento feito por jornalistas do
G1 pelo Estado*.
Fora da capital, quem tiver necessidade de apoio jurídico, psicológico e
de assistência social tem de procurar os Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), que funcionam em convênios com as defensorias
públicas e promotoria. Nos locais onde não há defensores públicos, o
atendimento é levado para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nas
cidades.
O Cratod tem 26 médicos - entre clínicos, psiquiatras e neurologistas -
12 psicólogos, 8 assistentes sociais, 1 terapeuta ocupacional e 1
equipe de enfermagem. Eles cuidam da saúde, do descanso e da alimentação
dos dependentes. Outra equipe trabalha para garantir as internações.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, disse ao
G1
que há necessidade de mais Cratods em outras regiões do estado, mas não
existe previsão. “Estamos estudando a ampliação do número de centros
[Cratods]. Estamos em fase de planejamento e logo mais anunciaremos a
ampliação do serviço.”
A internação voluntária é a que ocorre quando o paciente aceita ser
internado. Internação involuntária é quando o pedido é feito por
familiares. A internação compulsória é determinada pela Justiça.
A Secretaria de Saúde de São Paulo informou que foram registradas 223
internações de viciados em drogas e álcool desde 21 de janeiro deste
ano, quando o Cratod passou a ter plantão jurídico para autorizar as
internações compulsórias quando fosse identificada a necessidade, o que
não ocorreu, de acordo com a pasta. Do total de internações, apenas 17
foram involuntárias e nenhuma delas foi compulsória.
As internações, ainda segundo a secretaria, ocorreram em hospitais da
rede pública e conveniada dentro do novo programa no tratamento de
dependentes químicos.
Balanço de um mês
Ainda segundo o balanço apresentado pelo governador de São Paulo, nesta
terça-feira (19), 1.509 dependentes químicos foram acolhidos em
comunidades terapêuticas e casas de acolhimento no período. Esses
usuários de drogas são orientados pela assistência social a procurar
tratamento ambulatorial nos CAPS, mesmo em São Paulo. O governo do
estado também registrou 8.171 telefonemas com orientação às famílias de
todo o estado.
O estado de São Paulo tem 876 vagas para internação. No Cratod, os
dependentes esperam até dois dias pela vaga. Segundo a Secretaria de
Saúde da capital, os leitos disponíveis não são municipalizados. Os
pacientes de uma cidade podem ser internados em outro município, de
acordo com a disponibilidade de vagas.
Internação compulsória no interior de SP
Apesar de a Secretaria de Saúde de São Paulo informar que não houve
internação compulsória no estado, há dois pacientes internados desta
maneira em Campinas (SP). A prefeitura aderiu ao programa de internação
compulsória do estado, mas priorizando outras políticas de tratamento
para dependentes químicos.
De acordo com dados oficiais do município, cinco pacientes na rede
municipal de saúde foram internados compulsoriamente no Hospital
Psiquiátrico Cândido Ferreira. Destes, dois pacientes estão internados
desde o início do programa do estado, em janeiro. Outros três pacientes
estão internados da mesma maneira, mas iniciaram o tratamento no ano
passado.
Ainda em Campinas, seis pacientes estão internados voluntariamente no
Hospital Psiquiátrico Ouro Verde, sendo metade para tratar vício por
droga e três por álcool.
Em Araraquara (SP), desde o início da internação compulsória adotada
pelo governo, 12 dependentes químicos foram encaminhados para
tratamento, segundo a Secretaria de Saúde da cidade. Os pacientes foram
acompanhados pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público. Na
cidade, não há hospital específico para o tratamento de dependentes
químicos, mas a prefeitura mantém convênio com uma clínica de Limeira
(SP) para internar os pacientes.
Além da internação compulsória, o Conselho Municipal Antidrogas (Comad)
observou aumento na procura de internações voluntárias. Segundo
levantamento feito pelo presidente do órgão, Marcio Wiliam Servino, as
comunidades terapêuticas da cidade registraram um aumento na procura
desse tipo de internação, mas não informaram os números.
A cidade de Ribeirão Preto não aderiu ao programa do governo do estado e
a Secretaria Municipal de Saúde e não informou o levantamento sobre
internações voluntárias.
Em Piracicaba, a Secretaria de Saúde informou que não aderiu ao
programa e que encaminha este tipo de paciente sempre para os CAPS. A
pasta não forneceu números sobre a situação.
Outras cidades
Em Registro (SP) foram registradas cinco internações voluntárias. Na
cidade há uma unidade do CAPS. Não houve registro de internações
compulsórias e involuntárias.
Em Presidente Prudente, nenhuma internação compulsória foi feita, todas
as 190 vagas são de internação voluntária, sem especificação de causa
ou tipo de droga. Todas estão ocupadas em sistema de rotatividade.
Segundo Marly Fernandes dos Santos, coordenadora do CAPS na cidade, em
média, o número de internações por semana não chega a duas pessoas nos
dois hospitais psiquiátricos. A cidade tem um CAPS para atendimento
adulto e está construindo uma unidade para atendimento infantil.
Em Guarulhos, quatro pacientes foram internados em 2013, sendo duas
internações voluntárias. As outras duas foram originalmente iniciadas
por meio de decisão judicial, mas que se transformaram em tratamento
voluntário. A cidade tem sete CAPS.
Em Santos, a prefeitura informou que não houve internações compulsórias
para tratamento a viciados em drogas e álcool, mas não informou o
número de internações voluntárias ou involuntárias.
Em Sorocaba e em Tatuí não foram registradas internações involuntárias e
compulsórias. Em Itapetininga foram feitas três internações
compulsórias.
ABC Paulista
Em Diadema, a prefeitura informou que todas as internações no CAPS AD
(álcool e drogas) foram voluntárias desde o inicio do ano. São oito
pacientes viciados em crack, sendo que sete deles iniciaram o tratamento
após 21 de janeiro nas cinco unidades de CAPS da cidade.
Em Santo André, a Secretaria de Saúde informou que, até esta
sexta-feira (22), foram feitas quatro internações voluntárias no CAPS
AD, sendo uma mulher e três homens. Ainda nesta sexta-feira, um mandado
judicial foi recebido pela pasta para cumprimento de uma internação
compulsória de um adolescente de 16 anos viciado em crack. O caso, no
entanto, ainda passará por análise da coordenação de Saúde Mental do
município.
Ainda em Santo André, existem seis leitos na enfermaria e emergência
psiquiátrica no Centro Hospitalar Municipal (CHM). A cidade dispõe de
quatro CAPS, sendo um adulto e 24 horas para tratamento de vício em
álcool e drogas, um infantil também 24 horas e dois para transtornos
mentais.
Em São Bernardo, a Secretaria de Saúde informou que mantém um modelo
diferente do adotado pelo governo do estado para tratar pacientes com
transtornos mentais como às pessoas em uso abusivo de álcool e outras
drogas. A estratégia municipal direciona o tratamento à ressocialização e
ao restabelecimento dos vínculos familiares, além da recuperação da
autonomia, da dignidade humana e da liberdade, entre outros direitos.
A secretaria de Saúde de São Bernardo também informou que é contra a
internação compulsória e considera que a medida exclui o usuário do
convívio social e que, terapeuticamente, se restringe à desintoxicação e
à medicalização, com internações prolongadas em serviços fechados.
Ainda em São Bernardo, a ação de tratamento a viciados em drogas, de
acordo com a pasta municipal, segue a política nacional do Ministério da
Saúde, de projetos terapêuticos individualizados. O atendimento é feito
por equipes multidisciplinares. O Consultório de Rua cadastrou 50
pontos de concentração de moradores de rua no município, onde é
frequente o consumo de álcool e outras substâncias psicoativas. Mais de
500 pessoas são atendidas nestes locais.
São Bernardo tem um CAPS álcool e drogas para adultos, 24 horas, e
outro CAPS AD Infanto-Juvenil também 24 horas. A cidade também dispõe de
um Consultório de Rua, um Pronto-Socorro Psiquiátrico, um núcleo de
arte para este tipo de paciente, uma república terapêutica para adulto e
outra para pacientes infanto-juvenis.
Tratamento às cegas
A
inexistência de um modelo de procedimentos para o tratamento dos usuários de crack
dificulta a recuperação de dependentes da droga. Segundo o Conselho
Federal de Medicina (CFM), a falta de padrão no atendimento facilita as
recaídas e colabora para que um terço dos consumidores morra em
decorrência do vício.
Em agosto de 2011, na tentativa de estabelecer normas para tratamento, o
Conselho Federal de Medicina apresentou o documento chamado "Diretrizes
Gerais Médicas para Assistência Integral ao Usuário do Crack", em que
preconiza que o período de internação para "limpeza" do organismo deve
durar entre 7 e 14 dias. O texto aponta indícios que devem ser
investigados pela equipe médica ao ter contato com o paciente e quais
remédios devem ser usados para inibir a vontade de consumir a droga.
A diretriz mostra também a necessidade de um tratamento
multidisciplinar, cuidando tanto da parte física quanto das questões
psicológicas e de sociabilidade do dependente, na tentativa de prevenir
recaídas. O conselho alerta para que os médicos verifiquem outras
doenças que possam estar associadas ao uso do crack e orientem o
dependente químico para tratá-las.
Algumas clínicas apostam na religiosidade ou em doutrinas que buscam
inibir o consumo de álcool ou tabaco para convencer o dependente da
cura. Outras preveem rotinas de atividades físicas e escolares, horários
regrados e alimentação controlada, além do uso de medicação e
acompanhamento psicológico.
Onde estão os viciados em crack?
Sem definição sobre a maneira mais eficiente de prevenir, recolher,
entrevistar e tratar quem usa crack, clínicas particulares e unidades
estaduais e municipais adotam normas diferentes de atuação. Também não
há banco de dados dos pacientes, com informações interligadas pelo
Ministério da Saúde, impossibilitando que médicos conheçam histórico de
tratamento e medicamentos usados pelos dependentes com mais de uma
internação, por exemplo.
O
plano "Crack, é possível vencer",
lançado em 7 de dezembro de 2011, prevê um trabalho conjunto entre os
governos federal, estaduais e municipais nas áreas da saúde, segurança
pública, defesa de fronteiras e assistência social.
A pesquisa encomendada pela Presidência da República à Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), em maio de 2010, custou R$ 6,914 milhões. Segundo o
professor e coordenador da pesquisa, Francisco Inácio Bastos, não há
previsão para conclusão.
Outro trabalho, da Universidade Federal de São Paulo, apontou o país
como maior mercado mundial do crack, onde 2% da população faz uso da
droga (2,8 milhões de jovens e adultos). De acordo com o estudo, o
Sudeste concentra o maior número de usuários (46%), seguido pelo
Nordeste (27%) e pelo Norte (10%).
Cracolândia
Um ano após a Prefeitura de São Paulo e o governo estadual
intensificarem as ações contra o crack, a chamada cracolândia no Centro
da
capital resiste e ganha "filiais".
Dados da administração municipal e da Defensoria Pública, relatos de
policiais militares, guardas-civis e ex-dependentes químicos, além de
flagrantes do
G1, indicam que ruas e avenidas da região
central seguem ocupadas por usuários e traficantes de drogas. Moradores
de bairros das zonas Sul, Norte, Leste e Oeste da cidade também
passaram a conviver com usuários reunidos em minicracolândias.